MENU

Educação inclusiva e multiculturalismo

21 de março de 2024,
E-docente

Partimos da educação inclusiva

Outro dia, uma famosa atriz brasileira afirmou em um programa de televisão que, se o teatro não for acessível para a pessoa com deficiência, não serve para mais ninguém.

Ainda que inicialmente a atriz estivesse falando de acessibilidade arquitetônica (rampas, portas largas etc.) e para as pessoas surdas, ela ampliou o conceito, afirmando que a acessibilidade deveria existir em todas as apresentações teatrais e que deveria ser a norma, e não a condição especial, caso alguém necessite[1].

Na pandemia, em um curso on-line de extensão sobre direitos humanos, da Universidade de São Paulo, uma pesquisadora enfatizou que as pessoas deveriam começar a se relacionar de forma mais leve com a doença mental, percebendo-a como uma coisa corriqueira, como uma enxaqueca[2].

O que esses pequenos relatos expressam? O que revelam sobre nossa sociedade? Por que nos chocamos com eles?

Ambos expressam uma plasticidade por parte das pessoas em ver a deficiência não a partir da falta, do desencaixe, do desalinho. Ambos deixam de procurar as causas em diagnósticos e se viram para a sociedade, questionando-a e provocando a reflexão sobre o quanto ela é responsável pela exclusão das pessoas com deficiência.

Os relatos caminham no sentido da inclusão, que, para Sassaki (2009, p. 10), é:

[…] como um paradigma de sociedade, é o processo pelo qual os sistemas sociais comuns são tornados adequados para toda a diversidade humana – composta por etnia, raça, língua, nacionalidade, gênero, orientação sexual, deficiência e outros atributos – com a participação das próprias pessoas na formulação e execução dessas adequações.

Tais relatos mostram também como podemos enxergar a diferença, desconstruindo as barreiras atitudinais, que dizem respeito às nossas atitudes discriminatórias e, por isso, se alinham ao paradigma da educação inclusiva, que enxerga a diversidade a partir da riqueza da convivência entre os diferentes.

Conceitos da educação inclusiva

Segundo a Declaração de Salamanca (1994), a educação inclusiva é aquela que abre as portas da escola para acolher a diversidade de alunos:

  • com deficiências,
  • superdotados,
  • em risco de vida,
  • que vivem nas ruas,
  • negros e indígenas, acolhendo suas diferenças em termos linguísticos, étnicos, sociais e culturais.

Nesse sentido, não se trata apenas de acolher o público-alvo da educação inclusiva mais conhecido, ou seja, as pessoas com deficiência ou superdotadas, mas todos os que vivem em situação de vulnerabilidade e discriminação, por fazerem parte de grupos étnicos e sociais subalternizados.

Com o reconhecimento das diferenças e a ampliação das oportunidades para a diversidade, passam a se relacionar: educação inclusiva, inclusão social e democracia (MENDES, 2006).

A partir dos anos 1990, a busca por uma maior igualdade de oportunidades é o paradigma da educação inclusiva (ANTUNES; GLAT, 2019), que passa a considerar a diversidade não apenas de corpos, mas de condições sociais e culturais, destacando o quanto está atrelada às desigualdades sociais, denunciando o papel da escola, com a produção do fracasso escolar, como peça importante nesse jogo.

O movimento mundial pela educação inclusiva atua no sentido de fazer as pessoas perceberem que todos os alunos devem estar juntos, aprendendo e sem nenhuma discriminação (BRASIL, 2008).

A educação inclusiva se fundamenta nos direitos humanos, que veem igualdade e diferença como valores inseparáveis, e busca uma equidade formal ao contextualizar “a produção da exclusão dentro e fora da escola” (BRASIL, 2008, p. 1).

A educação inclusiva parte do princípio de que os ambientes heterogêneos facilitam a aprendizagem de todos, favorecendo seu crescimento e desenvolvimento (BRASIL, 2008).

O que diz a legislação

A Lei nº 9.394/96, ou Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, afirma o compromisso de que o público-alvo da educação inclusiva possua as mesmas oportunidades de socialização e desenvolvimento cognitivo e emocional que os demais alunos (BRASIL, 1996).

O Brasil retoma, no ano de 2023, a rota em direção à educação inclusiva, após ter revogado a Política Nacional de Educação Especial, de 2020, que apoiava o modelo de educação segregada, com escolas e classes especiais.

O norte retomado é dado pelas legislações que pensam a inclusão e as estratégias para alcançá-la, mas a questão que queremos discutir não está especificamente associada às leis voltadas para a inclusão, que são indiscutivelmente necessárias[3].

Aqui, convidamos o leitor a refletir sobre a mudança de olhar proposta pela educação inclusiva. Neste sentido, estamos todos envolvidos, e não apenas a escola.

Educação Inclusiva: O preconceito como obstáculo à inclusão

Segundo Crochík (2011), o preconceito é um obstáculo à inclusão que não tem a ver com a vítima, mas com as necessidades psíquicas que temos de nos relacionar apenas com o que idealizamos sobre as pessoas, seja inferiorizando-as ou valorizando-as.

Há uma reação idealizadora tanto na medida em que se aprecia quanto na que se deprecia o outro. Com isso, deixamos de ter contato com o outro ao ponto de nos identificarmos com ele, para considerar apenas o que pensamos sobre ele.

A idealização distancia os indivíduos. A identificação, ainda que possua certa idealização, aproxima.

Para o autor, negar a identificação – o processo de me ver no outro, ainda que em seguida seja para me distanciar dele, para formar a minha própria identidade, e vice-versa – é deixar de ver o outro como humano (CROCHÍK, 2011).

Por isso, nas relações humanas, o processo de identificação é fundamental, mas tem sido deixado de lado por conta da idealização, que nos afasta do outro, desumanizando-o e alimentando o preconceito. Agora vamos pensar o processo de idealização na sala de aula.

Antunes e Glat (2019, p. 5) chamam a atenção para o quanto a visão equivocada, irreal do aluno ideal vai impactar a forma como os “sujeitos ‘reais’ da educação” – aqueles que têm diferentes modos de aprender – serão vistos.

Isso porque as representações sociais dominantes caminham no sentido da inferiorização da diferença: “Permeado por representações que inferiorizam as pessoas como deficiência, o cotidiano da escola é marcado por uma série de equívocos pedagógicos” (ANTUNES; GLAT, 2019, p. 79).

A ruptura com o capacitismo

O preconceito dirigido a pessoas com deficiência é chamado de capacitismo (GALA, 2022). Para Santos et al. (2023, p.8), “o capacitismo se apresenta como força opressora, sistemática e estrutural na sociedade brasileira, assim como a misoginia e o racismo que discriminam e silenciam grupos considerados minoritários e/ou em situações de vulnerabilidade”.

Então, a mudança na forma como enxergamos a diferença é fundamental para a educação inclusiva.

Através da metodologia denominada História de Vida (ANTUNES, 2012), Antunes e Glat (2019) entrevistaram alguns jovens com deficiência intelectual das escolas públicas do Rio de Janeiro sobre o cotidiano escolar.

Baixa expectativa da parte dos professores, infantilização do sujeito deficiente, repetência, fracasso escolar, marginalização, salas superlotadas e dificuldade para entender a matéria e fixar conteúdos estão entre os acontecimentos narrados pelos estudantes.

Para as autoras, urge romper com atitudes marginalizadoras e limitadoras do potencial das pessoas com deficiência intelectual e com a visão que limita o potencial do cérebro.

Ações governamentais, estratégias de gestores e políticas públicas são fundamentais nesse processo, bem como práticas pedagógicas baseadas na educação inclusiva (ANTUNES; GLAT, 2019).

Mas, antes de qualquer coisa, um outro olhar voltado para o público da educação inclusiva é fundamental, e aqui não nos referimos apenas às pessoas com deficiência, mas aos pobres, aos alunos que têm que ajudar nas despesas do lar, aos negros, indígenas, refugiados, entre outros, ou seja, o já mencionado “sujeito ‘real’ da educação” (ANTUNES; GLAT, 2019, p. 5), com suas limitações e potencialidades.

Por isso, a desconstrução dos preconceitos é um passo importante na direção de um mundo mais inclusivo.

Conclusão

A educação inclusiva discute o lugar da escola como reprodutora das exclusões sociais e aponta a possibilidade de um outro tipo de instituição educacional, mais inclusiva para todos os alunos, superando a lógica da exclusão (BRASIL, 2008).

A formação das identidades é enriquecida através do convívio com a diferenças, pois “em cada particular, a diferença enuncia outra possibilidade de ser, o que fortalece a individuação e a sociedade” (CROCHÍK, 2011, p. 34).

O multiculturalismo é o antídoto contra o preconceito, porque torna possível a experiência da vivência com outras pessoas, além daquelas às quais já estamos acostumados. Dessa forma, a educação inclusiva caminha junto à educação multicultural, que se abre para as possibilidades de convivência entre as diversas etnias e grupos sociais que fazem parte da escola.

Referências

ANTUNES, Katiuscia Vargas.  História de vida de alunos  com  deficiência  intelectual:  percurso  escolar  e  a  constituição do sujeito. 2012. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Rio de Janeiro, 2012.

ANTUNES, Katiuscia Vargas; GLAT, Rosana. Das relações entre representações sociais e educação especial nos processos de aprendizagem de alunos com deficiência intelectual. InterMeio – Revista do Programa de Pós-graduação em Educação, Campo Grande, MS, v. 25, n. 50, Dossiê Especial 2, p. 73-99, 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial (SEESP). Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, 1996.

CROCHÍK, José Leon.  Preconceito e inclusão.  Web Mosaica – Revista do Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, v. 3, n. 1, p. 32-42, jan./jun. 2011.

DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. Salamanca, Espanha: 1994.

GALA, Ana Sofia. Capacitismo: o que é, exemplos, consequências e como combater. Handtalk, Blog, 01 dez. 2022. Disponível em: https://www.handtalk.me/br/blog/capacitismo/#:~:text=A%20palavra%20%E2%80%9Ccapacitismo%E2%80%9D%20significa%20a,em%20virtude%20de%20suas%20defici%C3%AAncias. Acesso: 29 out. 2023.

MENDES, Enicéia Gonçalves. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 11, n. 33, p. 387-559, set./dez. 2006.

SANTOS, Giselle Cristina Menezes dos; SANTOS, Paola Portugal Barbosa dos; PRÍNCIPE, Gizele Abreu Marques Soares; VALIM, Rosa Lidice de Moraes; ALMEIDA, Veronica Eloi de. Barreiras atitudinais: discutindo inclusão no cotidiano escolar através do combate ao capacitismo. Revista Educação Especial, v. 36, n. 1, e. 46, p. 1-28, 2023.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional de Reabilitação (Reação), São Paulo, Ano XII, p. 10-16, mar./abr. 2009.

Citações


[1] Programa Assim como a Gente, apresentado pela jornalista Fátima Bernardes, de 27 de outubro de 2023.

[2] Curso de extensão Direitos humanos e populações que vivenciam situações de vulnerabilidade: Desafios e Potencialidades para o Exercício de Direitos por Indivíduos com Transtornos Mentais, da Liga de Direitos Humanos e Saúde (LIDIHUS), da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo – USP. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=InMOj7Ri6QA

[3] Quanto a isso, no próprio blog da plataforma E-docente, há uma artigo interessante que apresenta as principais leis voltadas para a inclusão, cuja leitura recomendamos: SANTANA, Patrícia Monteiro de. Educação inclusiva e sua adaptação humanizada. E-docente, Blog, 4 abr. 2023. Disponível em: https://www.edocente.com.br/blog-educacao-inclusiva/

Crie sua conta e desbloqueie materiais exclusivos

Voltar
Complete o cadastro para receber seu e-book
Já possui uma conta?Acessar conta
ACREALAGOASAMAPÁAMAZONASBAHIACEARÁDISTRITO FEDERALESPÍRITO SANTOGOIÁSMARANHÃOMATO GROSSOMATO GROSSO DO SULMINAS GERAISPARÁPARAÍBAPARANÁPERNAMBUCOPIAUÍRIO DE JANEIRORIO GRANDE DO NORTERIO GRANDE DO SULRONDÔNIARORAIMASANTA CATARINASÃO PAULOSERGIPETOCANTINSACREALAGOASAMAPÁAMAZONASBAHIACEARÁDISTRITO FEDERALESPÍRITO SANTOGOIÁSMARANHÃOMATO GROSSOMATO GROSSO DO SULMINAS GERAISPARÁPARAÍBAPARANÁPERNAMBUCOPIAUÍRIO DE JANEIRORIO GRANDE DO NORTERIO GRANDE DO SULRONDÔNIARORAIMASANTA CATARINASÃO PAULOSERGIPETOCANTINS

Veja mais

Teste Novo agendamento de POST
13 de fevereiro de 2025

Teste Novo agendamento de POST

Lorem Ipsum is simply dummy text of the printing and typesetting industry. Lorem Ipsum has been the industry's standard dummy text...
Teste Bia 3
14 de novembro de 2024

Teste Bia 3

Teste Bia 2
14 de novembro de 2024

Teste Bia 2

Teste agendamento Bia
14 de novembro de 2024

Teste agendamento Bia

Teste de agendamento Emerson
12 de novembro de 2024

Teste de agendamento Emerson

TEXTO DA MATERIA TANANAAAAM